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Em busca de relíquias aduaneiras: a infindável procura por referências bibliográficas


No último mês de agosto ocorreu a XI Jornada de Derecho Aduanero (JADA). O evento completou seu décimo primeiro ano, contando com a participação de estudiosos do Direito Aduaneiro do Uruguai, Argentina e Brasil. O encontro também marcou o nascimento da Academia Latinoamericana de Derecho Aduanero (ALDA).


Entre as atividades acadêmicas e a troca de ideias com colegas, encontrei tempo para me dedicar a uma atividade que considero essencial: a garimpagem em sebos. Graças a preciosa dica e com a companhia providencial de Bruno Lobo, sem o qual jamais seria capaz de carregar todos os livros comprados, visitamos a labiríntica Libros del Paso, no centro de Montevidéu.


Depois de subir duas escadarias, andar por corredores estreitos e cheios de livros (e possibilidades), entramos na última salinha da livraria, a mais distante da entrada, para encontrar o cenário perfeito para quem gosta desse tipo de aventura: pilhas de livros jurídicos do chão ao teto, estantes com várias camadas de livros, um pouco de poeira para dar autenticidade ao local e alguma bagunça, exatamente como deve ser.


Apesar do tempo limitado, a caçada rendeu cerca de 15 livros. Entre eles, destaco a obra Tratado de Derecho Aduanero Uruguayo, de Ariosto Gonzalez, publicada em 1964:


Verdadeiro clássico e exemplo do elevado valor da produção acadêmica especializada e das soluções únicas que o conhecimento técnico em matéria aduaneira pode fornecer, mantendo sua relevância mesmo com a passagem do tempo. A profundidade de sua pesquisa é tão notável que teria preenchido todas as paredes de sua casa com livros.


Obviamente que esse tipo de resgate, como gosto de justificar a compra obsessiva de livros antigos, quando ocorre de maneira analógica, se torna o ápice de qualquer caçada, mas está longe de ser o mais preponderante atualmente.


Felizmente (ou infelizmente, dependendo do ponto de vista), os resgates digitais estão cada vez mais comuns.


A respeito de manuscritos esquecidos


Ainda sobre a busca por relíquias, dessa vez no mundo digital, me deparei com um manuscrito de Roosevelt Baldomir Sosa. Decidi seguir um palpite sobre sua produção bibliográfica, o que me levou a uma descoberta interessante. Não me recordo como, mas tinha uma sensação de já ter acessado o website de Sosa, descontinuado há pelo menos 20 anos. Novamente, com fé na caçada, agora virtual, fiz buscas no arquivo da internet, a Wayback Machine da iniciativa internet archive, a qual contém prints de websites desde os primórdios da web[1].


Encontrado o antigo site de Sosa, me restava agora navegar por vários anos de prints e links quebrados em busca de artigos escritos por ele e outros autores no início do século XXI, ocasião em que me deparei com o belíssimo texto As formigas também sonham, um desabafo sobre a internacionalização da legislação aduaneira.


Uma das últimas postagens do site também era a mais excitante. Sosa afirmava que estava escrevendo um livro sobre o Direito Aduaneiro do Brasil, seu último livro. Quem conhece a obra de Sosa sabe que o autor produziu excelentes obras de grande relevância, sobretudo em seus últimos anos de vida.


Assim, é de entender o alvoroço que a descoberta de um manuscrito de Sosa causa. Não tivemos acesso ao seu manuscrito, mas somente ao material que estava sendo publicado em seu website na forma de posts curtos e que permanecem apenas nos computadores da Wayback Machine esperando a sua publicação impressa.


Mesmo esses posts curtos contêm reflexões muito interessantes e atuais, pois não resolvidas até hoje, de modo que se pode imaginar o peso de uma obra inteira de Sosa. Sua última obra!


Por ora, permanecemos na torcida para que o manuscrito vire livro e ganhe a luz do dia, pois se trata de peça importante do quebra-cabeças conhecido como a dogmática aduaneira do Brasil.


Ainda sobre manuscritos, o centenário Legislación de Aduanas: programa, de José Torrent, contém a ementa de um curso aduaneiro em 29 lições. Acreditamos que José Torrent era um aluno da Escuela Profesional de Comercio de Alicante, tendo feito as anotações das ementas das aulas, pois as páginas correspondentes às lições 5 e 6 estão faltando, o que não ocorreria se fosse um professor (queremos crer). Com uma letra impecável, anota a ementa de cada lição, como a lição de n. 24:


Disposiciones penales. Clasificación de los hechos penales en materia de aduanas. Qué se entiende por delito y falta. Cómo se castigan. Jurisdicción aduanera. Qué es recinto y demarcación. Juntas arbitrales: personas que las conforman y asuntos en los que entienden. Formación de expedientes administrativos y modo de tramitarlos[2].


O mais incrível é que suas anotações não destoam muito de alguns programas de ensino ainda hoje presentes, tratando-se de um guia muito interessante sobre os cursos de legislação aduaneira, isto é, estudos jurídicos sobre a legislação que rege a matéria aduaneira, comuns no século XX:



O manuscrito de Alicante comprova a longevidade de algumas discussões acadêmicas e aponta para a necessidade de se apresentarem soluções alternativas para questões controversas, corroborando a importância do manuscrito de Roosevelt Baldomir Sosa e a necessidade de que seja publicado algum dia.


Os manuais datilografados


Muitos manuais foram transcritos por alunos, alguns mais “profissionais” que outros, todos de grande importância para contar a história doutrinária de uma disciplina.


Por exemplo, o Curso de Direito Administrativo, de Mário Mazagão, contém a transcrição de suas aulas na Universidade de São Paulo feita por alunos no ano de 1947. Infelizmente nossa cópia não tem a indicação dos alunos responsáveis pela produção do material, mas já vimos livros produzidos por centros estudantis com a identificação dos responsáveis. É certo que tinham a autorização do professor.


Outro grande livro que tem origem em sala de aula é o La Ley y el Delito, de Jimenez de Asua, que nasceu de notas taquigráficas de um aluno (Isidro de Miguel) durante as lições do grande penalista espanhol na Universidad Central de Venezuela, posteriormente revisadas pelo próprio autor e publicadas como livro com diversos títulos ao longo dos anos.


Sem esse esforço de alunos e mestres não teríamos hoje a oportunidade de conhecer e ter acesso a material tão importante.


É provável que existam materiais provenientes de aulas de Direito Aduaneiro no Brasil.


É sabido que Aliomar Baleeiro lecionou a matéria “Regime Aduaneiro Comparado e Política Comercial”, na Universidade Federal da Bahia, na década de 1940. Esse material certamente existe em algum canto esquecido de uma biblioteca, livraria ou sebo, pois algum aluno deve ter apostilado as aulas do grande professor baiano, de modo que importante parte de nossa história acadêmica está apenas esperando para ser resgatada. Queremos crer que isso pode aparecer um dia.


Conclusões


A dogmática aduaneira do Brasil ainda possui alguns tesouros escondidos. É necessário mapear o nosso acervo geral de obras publicadas e de manuscritos, daí a extrema relevância da localização e divulgação das nossas relíquias, como o manuscrito de Rosevelt Baldomir Sosa e as aulas de Aliomar Baleeiro, para ficar em dois exemplos.


A constituição de uma cultura acadêmica comum no Direito Aduaneiro depende de um acervo acumulado de pesquisas específicas de nosso campo. Um bom acervo acumulado pode gerar a consolidação do Direito Aduaneiro diante de outras disciplinas tradicionais do campo jurídico.


A constituição de uma academia destinada ao estudo do Direito Aduaneiro contribui para essa construção comum, especialmente na medida em que permite o compartilhamento do saber em toda a América Latina.


Tendo fé (e um pouco de antialérgico) é certo que ainda encontraremos todos os elos perdidos do Direito Aduaneiro, é só uma questão de tempo.

 


Referências:

[1] Disponível em: https://web.archive.org/

[2] TORRENT, José. Legislación de Aduanas: programa. Alicante: Escuela Profesional de Comercio, 1915 [Acervo do autor].

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